quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A educação como ferramenta de inserção do trabalhador e as exigências de Mercado.


Por traz do “Perfil” exigido pelas empresas nas seleções esconde-se uma prática de mercado excludente que indiretamente estimula migração forçada ao crime. 
*Herberson Sonkha


Após longos e sofridos minutos de espera, uma pessoa de expressão amável e serena rompe o silencio e pronuncia em tom suave sua sentença: - Senhor fulano de tal, muito obrigado pela sua participação, mas lamentavelmente o Senhor não apresentou o desempenho desejado durante a seleção. Somente por isso, o Senhor não atende ao perfil exigido pela empresa para a função disponível para o momento. Desta forma, lamentavelmente o Senhor não foi selecionado, mas, a política de Recursos Humanos da nossa empresa fará a gestão do seu currículo mantendo-o em nosso banco de dados e sempre que houver qualquer oportunidade para nova seleção, que enquadre no seu perfil, o Senhor será convidado.


Mas, qual é mesmo o perfil desejado para cada categoria laborativa e qual é a sua finalidade? A Teoria Geral da Administração, grosso modo, estuda e desenvolve com auxilio de outras ciências sociais aplicadas e exatas, especialmente aqui neste caso a psicologia, a mentalidade organizacional e o emaranhado nevrálgico que constituem as relações interpessoais de uma empresa. No primeiro momento para entender a práxis como validação da mentalidade nas organizações e seus reflexos positivos e/ou negativos nas relações dadas; no segundo momento para aproveitá-las ou modificá-las na perspectiva da empresa, objetivando melhorar os indicadores de desempenho humano na organização, visando em ultima analise o aumento nos lucros.



Por mais sincera e afetuosa que seja o formato de uma resposta negativa, ela será sempre desesperadora para o trabalhador, pois, na medida em que o mesmo só possui um único meio de sobrevivência: a venda de sua força de trabalho. E, certamente causará desânimo e outros males denominados de psicossomáticos, tão prejudiciais à saúde mental deste trabalhador, a ponto de levá-lo a depressão e até ao suicídio. De certa forma ouve-se com certa “naturalidade” o fuzilamento como resposta quando se busca ocupar uma vaga no mercado de trabalho.


A realidade que o Estado enfrenta com programas sociais que aparenta ser um grão de areia no oceano, não é nada animadora. Como não há vaga para todos os trabalhadores, as empresas se veem obrigadas a desenvolver critérios “científicos” que otimizem a oportunidade de escolha, justificáveis para algumas teorias, que torna o preenchimento de postos de trabalho cada vez mais inacessível no Brasil, apesar de vivermos um excelente momento de expansão e diversificação da base produtiva aumentando a oferta de vaga pelo mercado.


Ao comparar o curriculum apresentado com o desempenho em provas escritas e em dinâmicas de grupos, visando analisar o candidato à vaga, os níveis caem assustadoramente. Há um grande hiato entre o que se escreve nos currículos e suas reais condições para exercer as atividades profissionais exigidas pela seleção. Do ponto vista de várias correntes teóricas no campo da economia, não há registros históricos de taxa de ocupação superior a 80% do emprego da força de trabalhado, por demandas de vaga real resultantes da capacidade instalada máxima, quer dizer em outras palavras, o uso total do emprego da força de trabalho que absorva a massa laborativa.


A origem deste problema vai da divisão do trabalho levada a exaustão com suas especializações que fragmenta o saber integrado a uma totalidade; às exigências das tecnologias de produção cada vez mais sofisticadas. Se as empresas cada dia exigem mais, a educação segue no sentido contrário em relação à formação educacional. Uma massa de estudantes desigual nas especificidades e igual na inapetência para decidir por conta própria seu destino.


Igualmente, não há estudos econômicos que confirme a existência de qualquer país no século XX, a partir da década de 60 e mesmo no período pós-guerra do chamado bela época e mesmo considerando a China, que tenha criado postos de trabalho suficientes para sorver a massa de trabalhadores. Nada impede supor que matematicamente, ciências exatas permitem essas hipérboles, vislumbre uma situação de pleno emprego, mas nunca é demasiadamente prudente afirmar que não passa de hipótese para objeto de estudo de mensuração do grau de veracidade existente no falso ou verdadeiro. Fora disso não passa de desatino sem precedentes. Tal situação só seria possível numa conjuntura de mercado onde todas as ações humanas estariam teleologicamente ajustadas e orientadas, concomitantes com a casualidade do agente econômico privado (empresas e famílias) de tal forma que fossem colocadas em uso pleno todos os seus fatores de produção em níveis máximos. Ainda assim teríamos que resolver as questões inesgotáveis da divisão do trabalho na especificação das categorias laborativas existentes e as que não param de surgir.


Retomando o famigerado Perfil, do ponto de vista educacional, verifica-se que as dificuldades apresentadas pelos candidatos são anteriores a sua “inserção” ou manutenção no mercado de trabalho, porquanto, começam na sala de aula. Neste sentido, persistem outros problemas hereditários que impede a compreensão e execução das transformações estruturais. Pois, o que se percebe inicialmente é que não há um propósito claro na educação regular, espraiando facilmente pela rede própria, que seja capaz de formar um profissional ou intelectual.


A escola de hoje ainda é tradicional, de modo geral, não forma intelectual, técnico profissional e nem um ser com conhecimentos básicos capaz de auxiliá-lo para tomar o rumo que melhor lhe prouver. Se o Estado não faz ao que se propõe fazer teoricamente, então o que faz a educação ao estudante? Não há uma única resposta para esta pergunta, existem várias reflexões sobre o tema. Mas, depende fundamentalmente da irrefutável realidade a que estamos submetidos e partindo dela para onde se pretende chegar.


Uma delas é a de que, todavia, a educação foi um forte aliado dos interesses políticos (ideológicos) históricos de quem governa independente de quem seja. Como pensou o italiano Antony Gramisc a escola (espaço físico para exercício da hegemonia ideológica) faz parte da superestrutura e que, portanto, cumpre o papel de aparelho ideológico do Estado. “A hegemonia é a capacidade que as classes dominantes têm de manter o poder utilizando o consenso e não a coerção.”


Não é propósito do referido texto trabalhar, amiúde, todos os períodos desde a primeira LDB até a ultima diretriz do ministro Paulo Renato. Desta forma farei um breve recorte de tempo próximo do que considero claudicante para o país. Houve momentos na historia recente do Brasil em que o Estado governado pelas forças capitalistas definiu como necessário a criação de uma massa mínima de trabalhadores capaz de atender a política governamental de industrialização no Brasil, visando o mercado internacional agroindustrial e comercial. Por isso surgiram as Escolas de Técnicas agrícolas, industriais e comerciais a nível nacional (Polivalente, Emarc, CEFET).


Como o mercado brasileiro passou por varias etapas e níveis tecnológicos, isso se replicou também na educação brasileira que sempre esteve a serviço dos interesses da classe dirigente. Até meado da década de 90 as escolas com ensino técnico tinha um determinado padrão de qualidade, contudo sua oferta de vaga era limitadíssima e possuía um perfil de classe média alta. O sucateamento progressivo da educação afetou a qualidade de vida nas escolas e alterou significativamente o perfil dos concluintes. O padrão de vida dos professores caiu assustadoramente e as condições para o desenvolvimento do PIT (plano individual de trabalho) foi precarizado com jornadas extensas e sobrecarga de trabalho, pois, o acesso à educação no ensino médio caminhava para universalização, porém as condições materiais, intelectuais e pedagógicas não acompanharam nas mesmas proporções às mudanças.


O conjunto de ações realizadas pelos gestores resultantes da concepção política de governos anteriores precipitou drasticamente o nível da educação para atender certos critérios exigidos por agentes econômicos e financeiros internacionais. Não obstante, considerar importante as inflexões acerca das transformações ocorridas no campo das expectativas da revolução estrutural da sociedade.


Como resultados de uma educação de melhor qualidade os trabalhadores em educação, replicavam seus efeitos críticos nas gerações de educadores tornando-os comprometidos com as transformações do seu tempo refletidos nas lutas expressas em bandeiras históricas. Intelectuais e trabalhadores assistiram o fim das experiências do chamado socialismo do leste europeu fundamentado pelo marxismo-leninismo e a consolidação do neoliberalismo retomadas no Brasil pelos intelectuais da USP, sobretudo a Escola de Sociologia, economia, direito e filosofia.


Com isso, ascende ao poder o programa de governo neoliberal capitaneado por Fernando Henrique Cardoso que liderava as pesquisas eleitorais, sendo eleito em 1996. O príncipe dos sociólogos liberais foi implacável na redução do Estado e no trato refinado de exploração aos trabalhadores, impondo a maior derrota as organizações sindicais de modo geral, especialmente os trabalhadores da educação com a vitória da LDB de Paulo Renato e, é neste governo que a educação sofreu a maior investida dos neoliberais.


Este período é marcado pelo sucateamento na educação pública, gratuita e de qualidade; a precarização das condições de trabalho; perdas salariais ocasionando o rebaixamento nos vencimentos devido à inflação e arrocho salarial; as terceirizações na educação com o professor PST e outros serviços gerais; redução dos investimentos em educação e as privatizações de estatais. Estes processos vão afetar profundamente a relação professor versus estudantes. Com salários baixos, bibliotecas sucateadas e jornadas extensas de trabalho os profissionais da educação não conseguem se qualificar em sua grande maioria.


A redução da nota de nivelamento que era mantida como “critério de qualidade mínima” exigida para conclusão de cursos médios, transformou a sala de aula em chão de fabrica, um ambiente educacional contraproducente, o objetivo passou a ser bater metas numéricas internacionais para melhorar os indicadores exigidos pela UNESCO e conseguir mais empréstimos internacionais para o governo. Nesta perspectiva qualquer discussão sobre a tão questionada nota como possível função pedagógica estava descartada, pois se transformaria em entrave ao processo de maquiagem da política educacional de Fernando Henrique Cardoso que tinha se notabilizado internacionalmente por elevar irresponsavelmente os índices da educação brasileira.


A educação voltada para aplicação do conteúdo programático como mensuração da produção em sala de aula, sem qualquer avaliação critica, criou uma geração de estudantes desinteressados e com nível de leitura e escrita baixíssimo, dando sentido real à expressão do analfabeto funcional.


Os egressos da escola pública e postulantes a uma vaga no mercado de trabalho ou no vestibular foi sumariamente excluído, ou melhor, preterido pela educação formal neoliberal e, portanto não constituiu o perfil demandado pelas empresas e pelos vestibulares para universidades públicas, restando apenas às faculdades particulares que passaram a receber dinheiro público para permitir o acesso ao ensino superior a esta parcela significativa de vitimas do capengante ensino público. Admitiu-se durante algum tempo que o dinheiro transferido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso para as faculdades particulares daria para melhorar a educação pública substancialmente. Com tudo isso estes analfabetos funcionais, todavia, encontrarão abrigo no trabalho informal e passaram a corresponder com a ideia de negócio próprio, restando apenas à criatividade intrínseca do empreender sem nenhuma estrutura de custeio de seus empreendimentos, basta observar que de cada pequeno negocio aberto todos os dias, menos de 30% conseguem chegar aos cinco anos.


Como consequência da universalização da educação passou a ser meta também de governo a inclusão da educação de jovens e adultos sem nenhum tipo de instrução, uma espécie de reprodução “melhorada” do MOBRAL. Desta forma, constata-se que parte das pessoas com idade acima do exigido pelo mercado, que até então não tinham acesso à instrução escolar que conseguiram concluir passaram a compor uma fatia considerável da população com ensino médio e, segundo critérios de mercado são sumariamente excluídos do processo de seleção no mercado de trabalho pela idade, um contingente também com destino certo a informalidade.


E por último observo também o crescimento das populações urbanas oriundas do êxodo rural que vão se amontoando nas cidades formando as periferias e replicando em certa medida a violência institucional. Como as escolas estão em sua maior parte nas periferias, obviamente, reproduz em certa medida esta mesma violência. Outro fenômeno sociológico associado a esta realidade recente é a profissionalização do tráfico, que passa a operar organizadamente como empresa informal, espécies de entidades territoriais clandestinas. Um tipo de empresa virtual, sem escritório físico definido, sem fisco e sem um corpo físico identificável.


Uma empresa (boca) responde por uma determinada área e para manter-se absoluta possui um braço paramilitar violento e repressivo, sem despesas com as deduções fiscais, operando com capital adquirido da venda direta da droga ou captação de recurso através da extorsão, sem os custos fixos das despesas operacionais e com rendimentos lucrativos exorbitantes.


Estas organizações recrutam jovens pobres da periferia para o tráfico com a oferta de vagas de trabalho com perspectivas de ascensão. Opta-se pela distribuição das drogas ou pelo serviço paramilitar de proteção da área e do proprietário das drogas. Mesmo sabendo dos riscos os jovens são atraídos pelos preços tentadores praticados bem acima do oferecido pelo mercado com mais um diferencial, que é a não exigência do conhecimento escolástico, o formal.


A vida no crime é cheia de adrenalina, fartura de drogas e realização do macho que é o culto das fêmeas pelos atos de bravura, ou melhor, de violência praticada contra a população e compradores que não pagam a mercadoria da “boca”. Isso acelera a violência urbana, pois, o fluxo circular do dinheiro originado das drogas na sua maior parte é mantido por pequenos furtos familiares e roubos praticados por dependentes químicos. Os “empresários” das drogas (traficantes) circulam impunes operando suas empresas (boca) com facilidades, alimentando uma cadeia cada vez maior de criminosos com fabulas de dinheiro.


Desta forma, o chamado PERFIL é um critério administrativo distante dos objetivos da educação pública que atende única e exclusivamente aos imperativos de um mercado gélido e implacável na reprodução do capital, impondo formas seletivas que alija uma massa de trabalhadores que mesmo concluindo o falacioso ensino médio não conseguem ingressar no mercado de trabalho por não possuírem estas exigências e quando conseguem não passam de assalariados com jornadas extenuantes de trabalho.

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